CUECAS E
CALCINHAS. (por Jacob Fortes. 31.07.2016).
Jacob Fortes
Durante a quadra menineira ouvia os
mais velhos sussurrar segredos pelos quais o colchão tinha, também, a serventia
de guardar dinheiro. Eram usanças de outros tempos: quando o mundo era mais
áspero, mais adverso, porém menos rancoroso. Naqueles tempos de antanho tomate
cereja era conhecido por tomate de tapera e frango “bombado” tinha o nome de galinha
de capoeira. Posteriormente, já na adolescência, compreendi que os cofres e
bancos eram os locais mais apropriados para salvaguardar dinheiro e escrituras.
Porém, o mundo é pródigo em metamorfoses múltiplas. Não faz tanto tempo as
páginas midiáticas transbordaram com uma inventividade bombástica: um membro do
Partido dos Trabalhadores, num gesto vanguardista, arrojou-se na ideia de
transportar dinheiro na cueca. O excêntrico procedimento, (que por certo
aterrorizou o órgão genital) acabou por obter a simpatia de algumas mulheres. É o caso, exemplificativamente, de uma decoradora de
Guarulhos que fora flagrada com 200 mil euros na calcinha quando tentava
embarcar para a Itália. Essas peças íntimas do vestuário — que na
infância se chamavam cueiros, ou fraldas, mas hoje estão na plenitude da
maioridade — têm a missão precípua de sitiar partes que, pela sua natureza,
exigem os mais ternos desvelos. Transportar numerários de modo incógnito é
prática das mais prudentes. Porém, utilizar cuecas e calcinhas como cofre
ambulante é exagero de todo inconveniente, pois tais peças não possuem talento
para papel tão diverso. Demais, a prática fere a compostura e insta a constrangimentos
e vexações. E se, durante o transporte, os esconderijos inquinarem as cédulas
ou lhes impregnarem de impertinentes exalações olfativas? Não cuidemos disso
agora; fica para depois do desembarque da mercadoria. Inquinando ou não, a
prática conspira contra a regra do decoro e, portanto, urge que se coíba essa
agressão ao conforto e ao silêncio das partes pudicas. Essas partes, aliás, não
são presenças que possam ser vistas aqui e acolá
Antes dessas invencionices, as peças
íntimas tinham orgulho em afirmar acerca absoluta do que guardavam, mas agora,
depois desses lançamentos exóticos, protagonizados por membros da fauna política,
já não têm a mesma convicção. Certas invencionices, aliás, podem até ser
legais, mas estranhas à moral, atentam contra o recato e a ortodoxia das
intimidades..
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