Esta semana Jacob Fortes nos premia com mais uma peça escrita que nos conclama à reflexão.
Campo-maiorense irrequieto, Jacob tem uma das mais lúcidas visões do âmago do homem simples e questionador.
CAMINHEIRO SOLITÁRIO. (Por Jacob
Fortes. 20.02.2016).
Ansioso por transpor um monótono chapadão
das gerais, norte de Paracatu, desses retratados pelo contista Afonso Arinos,
tomei o alvitre, num minuto indeciso, de parar o veículo à porta de uma desfigurada
baiuca, à margem da estrada, para obter do vendeiro informações que pudessem abonar
a minha bússola de navegação. O chapadão, conhecido pelo codinome de “Rasgo do Corisco”,
parecia expandir-se cada vez que eu imprimia ritmo célere à viagem.
Sem desligar o motor, mal pude
entender-me com o quitandeiro, alcunhado de “Gajão”. É que nossa conversa, de
súbito, encheu-se de embaraços: um andarilho, esfrangalhado, cara enfarruscada,
ali em parada de repouso, entendeu de golfar ao vento, sonoramente, asneiras e sandices.
Sua impertinência, digna de impugnação, inspirava indulto. Não valia à pena
contender com um homem cujo palavreado desconexo e ininteligível, testificava o
escangalho do seu estado mental. Outra atenuante é que esses andejos, sem raízes
nos pés, tudo que possuem, além da vida e do prazer de pisar o chão das estradas,
é um matolão, às costas, locupleto de burundungas, além, é claro, do hábito de
falar sozinho consigo mesmo durante as suas marchas; tão solitárias quanto
pachorrentas.
Vai caminheiro! Vai cumprir, resignadamente,
o teu destino fatídico, a tua desventurada vida de andarilho: deambular, continuamente,
como a um penitente, pelos caminhos; nasceste para a liberdade! À margem das
estradas (e da vida), Deus há de apiedar-se de ti.
E quando o meu carro, por motivo de
viagem, for instado a polvilhar-te de poeira ou de fuligem te peço desculpas por
essa circunstância. Nesse momento a tua figura (esquálida, desamparada,
estropiada e envolta em trapos repulsivos) irá engrandecer as bênçãos com que tenho
sido distinguido, particularidade que me impõem glorificar a Deus por tudo, tempo
em que LHO perguntarei, humildado, se é verdade, ou delírio, tanto lixo social sobre
a terra perante os olhos insensíveis da opulência, da ganância, do desperdício.
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