domingo, 18 de março de 2012

CRÔNICAS DE CAMPO MAIOR - SÉRGIO EMILIANO


O Cine Nazaré deixou saudades.

Através de revistas emprestadas  fiquei sabendo que existia uma cidade no mundo que fabricava filmes. Foi assim que Hollywood e suas estrelas entraram na minha vida.
Eu que já nasci gostando de cinema encontrei na sala do Seu Zacarias uma das minhas melhores alegrias. Marcelino Pão e Vinho foi o meu primeiro filme. Quando vi aquele feixe de luz azul saindo daquela janelinha e inundando a sala, eu senti que seria um caso de amor para sempre. Nesse dia eu descobri o que é chorar vendo cenas em preto e branco.
A minha religiosidade ficou maior quando assisti ao o raladíssimo Paixão de Cristo e as brincadeiras no fundo do quintal ficaram mais emocionantes depois do Tarzan, o grande herói da minha infância.
Seu Zacarias, com sua Rural, anunciava em toda cidade a película do fim de semana. Íamos com nossas melhores roupas. De longe eu via aquela fachada em forma de concha quadrada e a Rural parada ao lado da bilheteria. No Zé do Bombom eu comprava PIPPER e entregava o ingresso para Seu Estácio, o porteiro.
Entrava feliz no hall decorado com cartazes de filmes que ainda estreariam. Filmes com lançamentos em São Paulo tinham uma placa com o nome BREVE e que nunca chegaram. O piso era de mosaico branco e preto. Na parede, uma luminária com uma gravura romântica de uma mulher embaixo de uma árvore dava um toque francês num cinema de interior. No
canto, flores de plástico cobertas por uma fina camada de poeira completava a decoração.
Subindo o degrau eu me deparava com um espelho  enorme e embaixo dele um canteiro com espadas de São Jorge. As cadeiras eram de madeira e os ventiladores de teto abençoavam só  algumas delas. Na lateral, existiam a portas que ficavam abertas. Uma dava para a saída e outra levava a um corredor infestado de cansanção. Era onde se mijava.
Lá fora, o som da Rural entoava canções do Silvinho. ”Quem é que não sofre por alguém...
Ângela Maria e as músicas da orquestra do Glenn Miller eram as mais tocadas. De vez em quando o som era cortado e a voz do Seu Zacarias anunciava que dentro de cinco minutos em cinemascope e tecnicolor a monumental película... Enquanto isso, a algazarra corria solta e
reencontrávamos os amigos diante da imponente tela branca.
Entre gritos e assobios, finalmente as luzes se apagam. “Ouvíamos o tema da Copa de 58.” A Copa do mundo é nossa, com os brasileiros não há quem possa... ”Depois, as imagens belíssimas do Canal 100, o rugido do leão da Metro e finalmente o filme. Velho, ralado e todo remendado.
O protesto era geral, as luzes eram acessas e o seu Zacarias aos gritos mandava todos se calar. Éramos xingados de moleques, irresponsáveis e vagabundos. Ninguém dava mais um pio sequer. Fazia parte do filme, fazia parte do ingresso.
Minhas irmãs me contaram da tristeza o que foi assistir ao Coração de Luto do Teixeirinha. Foi uma comoção na cidade. Ainda consegui  ver O Ébrio e odiei. Nunca esqueci os seios da Sarita Montiel, as curvas generosas da Sofia Loren e os músculos bronzeados do Giuliano Gemma no clássico O Dólar Furado. No açucarado Dio come Ti amo, Seu Zacarias faturou o que quis. Outros sucessos foram os épicos Spartacus, Sansão e Dalila e Bem Hur.
Com o advento da TV em cores e do videocassete, o processo de decadência do cinema se acelerou. Veio uma enxurrada de filmes de lutas marciais. Eu odiava o Christopher Lee no papel de Fumanchu. O público sumiu quando as gangues do Cariri tomaram de conta do Cine. Eles lutavam dentro do próprio cinema e daí ficaram conhecidos como os temidos ninjas.
Vieram também as pornochanchadas brasileiras e adorei uma protagonizada pelo saudoso Waldick Soriano, rigorosamente proibida para menores de 18 anos. Apenas nas palavras do seu Zacarias, pois dentro do cinema, só havia menores desacompanhados. Já agonizando, foi exibido o filme O Império dos Sentidos. Uma simples cena de sexo oral causou furor na cidade. Aí, com o surgimento do sexo explícito, chega definitivamente a hora de fechar . Mesmo assim, assisti ao meu último filme no Cine Nazaré. O clássico erótico Atrás da Porta Verde e saí  escandalizado, pois nunca havia visto tanta pornografia.
Fico triste em saber que ninguém tem sonho de um dia restaurar aquele cinema e devolver para nós, carentes da sétima arte, um lugar que fez parte das nossas melhores lembranças. Na cidade que já teve de tudo, ficamos contentes de saber que ele ainda não foi destruído e que aquela fachada ainda permanece diante dos nossos olhos cheios de saudades...

Sergio Emiliano.

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