Para educador, o letramento é mais um instrumento para ampliar a percepção e a construção da identidade
Por Alexandre Le Voci Sayad*
Há algum tempo escrevi uma artigo defendendo que o
fato de muitas escolas do pais não terem sequer uma biblioteca me
preocupava menos do que as que têm uma e não são freqüentadas por
ninguém; ou pior, são trancadas a chaves por uma falsa “tutela” do
diretor da escola, que zela por livros limpinhos. Um livro fechado na
estante, defendi, não significa evolução cultural – mas estagnação de
curiosidade, o pior dos males.
Da mesma maneira, menos me preocupa o fato do índice de
analfabetismo ter sofrido um ligeiro aumento segundo os dados da última
Pnad do que saber que a maioria da população que consegue juntar letras,
não lê de verdade. E não me refiro aqui ao que muitos especialistas
chamam de “analfabetismo funcional”, mas a questão de que a
alfabetização tem sido tratada como uma instrumentalização e não como
uma ferramenta para se ler e compreender o mundo. Há um vácuo
gigantesco entre ser alfabetizado e compreender o que nos cerca.
Sim, a escola tem muita culpa nisso, bem como a família.
Educação é a base da construção de olhares sobre a vida e não se dá só
no lócus da escola; o letramento, e não só ele, é mais um instrumento
para que ampliemos essa nossa percepção e a construção de nossa
identidade – mas não o único.
O que o educador venezuelano Bernardo Toro alertou, ainda nos
anos 80, para uma alfabetização imagética e visual, ainda é uma utopia
na escola ocidental, que só pensa em letras e não em imagens. Há ainda
um esforço mundial, conduzido pela Unesco, para que a mídia, que é uma
lente poderosa e onipresente de olhar para o que acontece no planeta,
também tenha na sua alfabetização - uma necessidade de primeira ordem.
Em suma, hoje as letras são apenas parte do que precisamos
para nos comunicar, compreender e ser compreendido. A arte, a
comunicação, a mídia – tudo faz parte de um universo de códigos e
experimentações no qual o estudante desde os primeiros anos deve também
estar inserido. A escola, na sua eterna batalha ideológica e construção
de identidade, não dá conta nem da metade desse recado.
Há pessoas, leitores de mundo, felizes e plenos, que não
sabem ler nem escrever. Mas tocam instrumentos, pintam, falam ou
dançam. Nossa velha escola conteudista e funcionalista, filha de
Durkheim, só pensa no letramento; nossa sociedade só lamenta por ele – é
o que se lê mais facilmente nos jornais.
Cedendo um pouco à onda do analfabetismo, a manchete que não
existiu e que diz muito mais sobre a educação brasileira é a que
sublinha que “um em cada dois brasileiros analfabetos estão no
Nordeste”. A isso vale a pena atentarmos.
* Alexandre Le Voci Sayad é jornalista especializado em
educação e diretor geral do Laboratório de Mídia e Educação (MEL).
Publicou, entre outros, “Idade Mídia: A Comunicação Reinventada na
Escola” (editora Aleph) , em 2012.
Fonte: www.estadao.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário