Reproduzo aqui, artigo do renomado jornalista Miguel Rosário, de O Cafezinho - importante blog da política brasileira -, para que os leitores que acompanham o nosso blog também tenham como formar um juízo de valor sem a pressão da Rede Globo que nos últimos anos não teme escondido a sua aversão ao governo petista.
Vejamos, então
"Ayres Britto detona Barbosa!
Enviado
por Miguel do Rosário
– O Cafezinho
Às vezes é tão bom ser blogueiro de política!
Sobretudo quando a gente vê dois manés se pegando.
Ayres Britto, aquele que chancelou o tempo inteiro
as loucuras de Barbosa durante o julgamento do mensalão, aquele que proferiu
todo o tipo de delírios psicodélicos no mesmo julgamento, aquele que simula ser
grande conhecedor do hábito alimentar dos passarinhos (mas que não sabe
nada), aquele que assinou um prefácio babão para o amontoado de
besteiras assinadas por Merval Pereira, agora que ganhou uma sinecura no
Innovare, da Globo, resolve se afastar de Barbosa.
Talvez seja porque Ayres Britto pode ser golpista e
vendido à Globo, mas não quer se associar à sociopatia carcereira de Joaquim
Barbosa. Golpista sim, desumano não.
Estupra, mas não mata!
Vamos ao belíssimo artigo de Cynara Menezes, nossa
segunda blogueira preferida de São Paulo (a primeira é a Conceição Lemes, do
Viomundo).
*
Joaquim Barbosa, o justiceiro de toga
Por Cynara Menezes, na revista CartaCapital
Houve certa vez um juiz na Grécia antiga que passou
à história por seu poder e extremo rigor. Tanto fazia se o crime fosse furto ou
assassinato, ambos eram punidos com a morte. Esse legislador se chamava Drácon
(650-600 a.C.) e sobre ele diria um orador ateniense que escrevera leis com
sangue, e não com tinta. Sua celebridade não é, portanto, exatamente digna de
orgulho.
Nos últimos dias, o epíteto “draconiano” foi
repetido muitas vezes em conversas no meio jurídico da capital para se referir
ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Houve também quem o
comparasse a Tomás de Torquemada, o inquisidor-geral dos reinos de Castela e
Aragão, responsável por levar milhares à fogueira no século XV. Nada lisonjeiro
para o ministro. A causa das comparações é o excesso de rigor com que Barbosa
age em relação e tão somente em relação aos condenados do chamado “mensalão”,
principalmente o ex-ministro José Dirceu.
Na sexta-feira 9, o presidente do Supremo negou
novamente a Dirceu, preso em regime semiaberto na Penitenciária da Papuda, o
direito de trabalhar fora durante o dia. Segundo Barbosa, seria preciso cumprir
um sexto da pena para obter o direito. Com a ordem, desfez de forma monocrática
um entendimento do Superior Tribunal de Justiça de 1999 que permite o trabalho
de detentos no regime semiaberto até hoje. Ou seja: sua decisão não atinge
apenas Dirceu, seu alvo preferencial, mas milhares de encarcerados nas mesmas
condições em todo o País.
As críticas a Barbosa partiram de todas as
direções: juristas de diferentes espectros ideológicos, além da Ordem dos
Advogados do Brasil no Distrito Federal, condenaram a decisão. A mais
contundente divergência em relação ao entendimento do presidente do Supremo
partiu, porém, de seu antecessor no cargo, Carlos Ayres Britto. Em entrevista
exclusiva a CartaCapital, Ayres Britto considerou que negar ao preso em
semiaberto o direito de trabalhar fora não é praticar uma visão humanista do
Direito e se assemelha a uma decisão “taliônica”: olho por olho, dente por
dente. “Isso remonta aos tempos da barbárie.”
O ex-presidente do Supremo fez questão de destacar
que falava “em tese” e que é “um grande admirador da independência” de Joaquim
Barbosa em relação aos outros poderes da República. Também ressaltou que a
posição defendida pelo sucessor no comando do STF não é isolada: outros
juristas interpretam a lei da mesma maneira, exigindo cumprimento de um sexto
da pena antes de liberar para o trabalho externo. Sua visão, porém, é distinta
da defendida pelo ex-colega.
“Peço data venia ao ministro Joaquim, mas não
concordo com seu entendimento. Meu modo de interpretar é mais humanista”,
afirmou Ayres Britto. “O regime semiaberto não passa pela necessidade de
cumprimento de um sexto da pena. Como requisito de progressão, para saltar de
uma pena mais dura para uma mais branda, sim. A pena tem dois significados: o
castigo, que é o caráter retributivo, o indivíduo paga pelo erro cometido, e o
caráter ressocializador. É um signo de humanismo e de civilização de um povo
incorporar à pena sua dimensão ressocializadora. E o trabalho é um mecanismo de
ressocialização.”
Disse ainda Ayres Britto: “Entre o trabalho externo
e o interno, é preferível o externo, porque o interno tem um caráter
estigmatizante e o externo é extramuros. O apenado passa a ser visto pela
sociedade como alguém em franco processo de recuperação e isso é bom para
atenuar o estigma. O Direito humanista preza pela desestigmatização do apenado,
porque isso é um preconceito. O preso é privado da liberdade, não da dignidade.
Melhorar sua imagem faz parte do processo.”
O ex-presidente do STF, condutor do julgamento do
“mensalão”, lembrou que a Lei de Execuções Penais fala do trabalho em colônia
industrial ou agrícola, inexistente no Brasil. “O preso não pode pagar o pato
por uma omissão do Estado. Foi por isso que se chegou ao entendimento
permitindo o trabalho externo no semiaberto.” Para Britto o julgamento foi
“legítimo” e é importante continuar a ser “exemplar” na execução.
“Não se pode ser exemplar no julgamento e errar na
execução. O preso não pode ir para um regime mais severo do que o que foi
condenado. Se foi para o semiaberto, tem que desfrutar do semiaberto”,
defendeu. “Não se pode praticar nem o Direito Penal do compadrio nem o do
inimigo, que estigmatiza o preso, o réu, e o vê como uma besta-fera, um cão dos
infernos. É preciso muito equilíbrio nesta hora.”
Ex-presidente do STF entre 1995 e 1997, Sepúlveda
Pertence concordou com Ayres Britto na manutenção do entendimento do STJ, ao
contrário do que prega Barbosa. “Independentemente da discussão teórica sobre a
Lei de Execução Penal, que é confusa, existe um entendimento do STJ e milhares
de presos beneficiados por ela. Eu seguiria esse entendimento.”
Um aspecto ilustrativo da escolha de Barbosa para
castigar os “mensaleiros” é que, no projeto de reforma da Lei de Execução Penal
a ser votado neste ano pelo Congresso, os artigos sobre o trabalho do preso
foram modificados e preveem o trabalho externo não só para condenados ao
semiaberto como ao regime fechado, independentemente da fração de pena
cometida. A diferença é que os presos em regime fechado estariam sujeitos à
vigilância constante. O projeto deixa claro o caráter ressocializante do
trabalho. “Não se trata de benefício penitenciário, mas de componente da
própria execução penal tendente à reintegração social do apenado”, explica o
texto.
O próprio procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, emitiu parecer favorável ao trabalho externo de Dirceu. “No que concerne
ao requerimento de trabalho externo ao sentenciado, não há nada a opor, porque,
do que se tem conhecimento, os requisitos legais foram preenchidos”, afirmou ao
arquivar o processo que investigou o suposto uso de celular por Dirceu na Papuda,
uma “regalia” na prisão. Uma comissão de deputados que vistoriou a
penitenciária tampouco constatou flagrantes diferenças de condições na cela do
ex-ministro e dos demais detentos.
O fato de Joana Saragoça, filha de Dirceu, ter
pegado carona com agentes penitenciários e furado a fila de visitas deu novo
fôlego a Barbosa para recusar a autorização ao ex-ministro. “É lícito
vislumbrar na oferta de trabalho em causa uma mera action de complaisance entre
copains (ação entre amigos, em francês), absolutamente incompatível com a
execução de uma sentença penal. É que, no Brasil, os escritórios de advocacia
gozam, em princípio, da prerrogativa de inviolabilidade (estatuto da OAB), que
não se harmoniza com o exercício, pelo Estado, da fiscalização do cumprimento
da pena”, argumentou o presidente do Supremo.
Em resposta por escrito, o advogado José Gerardo
Grossi, disposto a contratar Dirceu, chamou publicamente Barbosa de Torquemada.
“A visão de Justiça Penal, dele, é torquemadesca, ultramontana. Houvesse de escolher
entre Tomás de Torquemada e o bom Juiz Magnaud (magistrado francês célebre por
suas decisões consideradas humanitárias), certamente ficava com este.”
O advogado Luis Alexandre Rassi, empregador de
outro condenado, João Paulo Cunha, negou a inexistência de fiscalização do
“Confere” (como é chamado pelos presos o órgão avaliador do trabalho externo).
“Eles já estiveram aqui ao menos sete vezes”, afirma Rassi. Ele prevê a
interrupção do benefício a Cunha. Por causa da decisão sobre Dirceu, foi
revogado o direito a trabalho de Delúbio Soares, Romeu Queiroz e Rogério
Tolentino. Não se sabe se Barbosa fará o mesmo com os cerca de 20 mil presos em
regime semiaberto liberados a trabalhar fora da prisão.
A defesa de Dirceu anunciou a decisão de recorrer à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A ordem de Barbosa pode ainda ser
derrubada no plenário do STF, mas, incrivelmente, depende do presidente da
Corte colocar o assunto em pauta: a agenda é prerrogativa do comando do
tribunal, que há meses não vota nenhum tema importante. Nos bastidores do STF,
comenta-se que Barbosa trocou o ofício de ministro da mais alta Corte pela
função bem menos nobre de carcereiro de Dirceu. Por que seus pares se calam?
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