domingo, 12 de abril de 2015

Filho de Oxum

          Sérgio Emilliano
Ontem sonhei  com água cristalina numa bacia com várias pedras de seixo de todos os tama-nhos, como se eu tivesse virado um garimpeiro, procurando ouro entre seus espaços.Algo muito recorrente em meus sonhos.
          Num terreiro de candomblé, as paredes pareciam feitas sem medidas, sem ordem  e a pintura deteriorada me remetiam as Santerias nos arredores de Havana em Cuba. Os trabalhos haviam terminado e uns poucos filhos se despediam uns dos outros.
       Ao longe, tilintavam luzes vermelhas e o vento fazia ruído quando balançavam os penachos dos coqueiros.
    Fui ziquezaqueando , vagabundeando como se estivesse amanhecido nos bares, ouvindo mambo e salsa a noite inteira.Temia que o sol amanhecesse e denunciasse meus defeitos, realçando ainda mais os ralos cabelos, os olhos ressacados, o  bafo de cigarro ordinário e rum. O cheiro de rua na sua melhor essência.
     O bulício na cidade logo começaria e o sol fervente tomaria conta de tudo.Numa banca de frutas, um velho enxotava moscas e as galinhas cacarejavam dentro de uma espécie de cesta gigante.Uma senhora, possivelmente a sua esposa, abanava com as duas mãos, a fumaça azulada do charuto.
    Senti os salpicos de chuva no meus rosto e lembrei das rosas amarelas que havia fotografado pela manhã. Gosto do amarelo, e Deus sabe o quanto insisti para ter um pé de ipê aqui em casa.
    Minha camisa de grife americana ainda estava  apresentável e fugi para o Malecon, a beira mar da cidade. As gotas de espumas molhavam meus pés quando as ondas furiosas do Caribe arrebentavam nas pedras.
      Eu ainda não sabia o que queria do dia. Sou indeciso, volúvel como a água que escorre por entre os dedos.
     Pensei  no meu sobrinho que ainda estava sendo gerado e reconheço que adoro crianças. Até aos dois anos, são as criaturas mais formidáveis em cima da terra. Depois, olhando para o mar, peço que Iemanjá cuide e lhe dê proteção por toda vida.
      Já sentia saudades de casa. Eu gosto de ficar na cozinha, tomando cerveja, cozinhando, com todos ao redor daquela mesa emblemática. Muitos me cobram para sair, mas sou caseiro, um misantropo incorrigível. Aplaca a minha ansiedade, eu ficar jogando conversa fora com meus irmãos.
     Sou filho de Oxum. De frente, no vocabulário deles. Totalmente leigo, me reconheci nas várias características desse orixá, 90% feminino. Deu um certo alívio, mas agora entendo esse meu gosto por coisas boas e sofisticadas, esse meu jeito  estranho  e de se dar com as pessoas.Olhando no espelho, reconheço  o meu narcisismo e a  dificuldade de amar alguém senão eu próprio.Sou sensível ao extremo e vou do riso  às lágrimas num mesmo segundo.       Chamado de bipolar pelos ignorantes, sou um rio de águas cristalinas que desce lentamente, mas lá no fundo se esconde grutas e buracos indecifráveis. Amante do sexo, realizo todas as minhas fantasias eróticas. Gosto de shows, do burburinho das pessoas, do perfume importado e não tolero a injustiça. Quando estou numa roda de amigos, curto aquela fofoca sem maldade e sinto que Oxum dá gargalhadas para mim. Sou ciumento e não me neguem atenção, por favor.
       Continuo fascinado por cachoeiras e não me lembro de um inverno que não as tenha procurado para meditar, para banhar, para saudar o meu orixá que até outro dia era só um espectro perto de mim.
     Dos tambores que ouvia nos arredores de Havana, veio essa verdade carregada de emoção.Sigo sonhando  com águas cristalinas, acendendo o meu incenso e velas de força. Amarelas e brancas.

Sergio Emiliano.


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