sábado, 4 de abril de 2015


Sérgio Emiliano - Foto Facebook
Costumo sair cedo de casa. Deixo para trás cadeiras na calçada e nelas, ficam meus irmãos conversando amenidades, aproveitando a sombra e fazendo companhia para mamãe.
Havia chovido a noite toda e pelas paredes ainda molhadas, me fazem pensar que quase nada mudou. Na casa propriamente dita, nos vizinhos, no vaivém de pessoas indo ao mercado.
Ando rápido como quem foge apressado, como quem procura desesperadamente alguém para  salvar o seu dia. É a rotina.
Piso firme no asfalto sem querer deixar marcas, mas no fundo, desejando provar que a rua é minha, que a cidade e suas esquinas sempre irão me pertencer.
Na porta do colégio Intellectus pais deixam seus filhos banhados e fardados. Parecem acovardados, zumbis querendo mais duas horas de cama. Fico perplexo quando imagino o valor das mensalidades e tranquilo, segundos depois, quando calculo que nunca terei esse gasto. É o futuro do nosso país e talvez valha o investimento.
Na esquina há uma padaria já lotada de clientes. Mulheres idosas falam do preço do pão, da operação lava jato, de suas vidas insignificantes.
O barulho dentro do ouvido chega a doer. Passa a trombeira com gás, com água, com sacos de cimento.
Continuo andando rápido reconhecendo cada loja, procurando detalhes que não são vistos quando a cidade inteira acorda.
Para não abandonar o costume de procurar sombra, ando sobre a proteção das marquises.
O camelô ao lado do banco do nordeste monta sua banca de óculos e relógios chineses, a fila na loteria começa a aumentar e vem um idoso na minha direção fumando um cigarro ordinário. Fico triste ao constatar a tragédia do corpo, a velhice se escancarando como um tapa na cara.
Ao lado da entrada da loteria, fica um senhor preparando sorvete. Deu para sentir o cheiro das essências de limão e coco ralado, adicionadas num balde de água.
Passo pela loja da dona Pureza e lembro de nunca ter  conseguido 10 centavos de desconto nas compras que já fiz.
Uma criança orgulhosa e catarrenta passa de mãos dadas com a mãe vinda do interior. Queria segui-los. O que resolveriam na cidade? Entrariam na farmácia? Fariam exame de sangue?
Na lanchonete ao lado do Bradesco vejo a Vera da Caixa grudada no celular. De dentro, vem aquele cheiro de lugar recém-aberto misturado com o odor do alho, de carne crua, de água sanitária passada no chão.
Sigo tranquilo, pois o asfalto foi todo pintado com faixas para pedestres, os semáforos a pleno vapor e placas, muitas placas.
Nisso, passa um velho caminhão e deixa uma densa fumaça negra flutuando por entre as carnaúbas do passeio central.
Dobro rápido a esquina e chego aos Correios. O Cardosão sempre é o primeiro a chegar e o último a sair. Respiro fundo para mais um dia de rotina e vejo que eu também não estou sozinho. Os funcionários do Carvalho chegam, a Big Pão há duas horas funciona e o sol atinge a sua claridade total.
Um barulho familiar de carros e motos surge de repente e tudo parece que alcança o seu volume máximo.
Campo Maior acorda mais uma vez e eu, só desperto totalmente, quando ouço o tic-tac do cartão de ponto sendo batido.
A sexta-feira está próxima e serve como um alívio, um relaxante natural da rotina.

Sergio Emiliano.

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