Jacob Fortes
Não
é apenas o provimento de bucho que sustenta um povo, mas também os sonhos. Tire
os sonhos de um povo e o verá apagado, sem ânimo, abatido, fechado em si,
emurchecido.
Não
é de data moderna o sentimento de pesar dos brasileiros por se acharem
impedidos de sonhar. O pesar surge sob a forma de doença. Essa doença, síndrome
do confisco de sonhos, fora engendrada pelos corruptos. Os sonhos, pelo seu papel singular, são, por assim dizer, o estímulo,
os estribos invisíveis do povo. Por mais que não se possa tocar nos sonhos eles
são a entidade em que todos confiam para segredar propósitos, aspirações. São
os sonhos que minimizam a crua realidade dos percalços; fazem o povo
crer ser possível obrar feitos. Sem eles, no entanto, o povo chega a descrer de
si mesmo. No dizer do poeta, “os
sonhos são igualmente os brotos: vão
rebentando e se abrindo em floradas”. Assim como a
água da rega alegra as verduras, o povo carece dos borrifos de sonhos para não
perder o viço, não emurchecer.
Há
decênios os corruptos não fazem outra coisa senão privar os brasileiros dos
seus sonhos. Essa prática abominável de confisco enseja alguns mínimos questionamentos:
por que será que esses honoráveis patifes, de paletó e gravata, preferem que
suas memórias à posteridade contenham o timbre da canalhice, das malfeitorias?
Será que no íntimo das consciências dessa chusma de salteadores não há um
pugilo de remorso pelas impiedades que cometem contra os brasileiros e o Brasil?
Que escarmento merecem esses solenizados calhordas por se haverem na continuada
prática de despojar esses bens tão preciosos, os sonhos? Será que as súplicas dos
brasileiros contra a ação nociva dessa irmandade biltre têm sido insuficiente,
de pouco fervor? Que oração, em nível de recurso, se pode evocar para fazê-los
emendar-se; demovê-los do nefando vício de expropriar os sonhos do povo? Compulsando
o catálogo dos rogos sugiro que comecemos pelo miserere, (salmo 51, da
Bíblia), indicado para fazer aflorar a piedade alheia. Não surtindo o efeito
desejado, e levando em conta não existir no Brasil o suplício capital, (e o
fato de que as penas de reclusão lhes parecem água benta e os presídios
escritórios para recalcitrar no crime) sobrerresta propor a criação de medida
de espessura; aditar as leis penais, (hoje, brandas, românticas), de modo a que
surjam normas de dentes afiados, mais imperativas, austeras, que cominem penas de
maior acrimoniosidade.
Tivesse
o Brasil severidade contra saqueadores, lesas-pátrias, não estaria claudicando
nessa aridez, mas em radiante prosperidade, com seu terreiro limpo, desinfetado
e, é claro, um gabinete dentário em cada esquina, além de metrôs de fazer a
inveja sofrer.
Até
quando essa malta lançará ao rosto do Brasil e de sua gente essa afronta? Até
quando o povo gemerá debaixo de pedágio, escorchante, que sustenta o apetite de
esponja dos ladravazes do Brasil? É perpétua a validade do alvará que permite a
essa confraria de morcegos — uns anafados, outros de papadas pletóricas — vexar
sadicamente o povo tal qual o gato faz o rato padecer?
Sentir-me-ei
regiamente gratificado se tudo que deixei dito neste texto chegar às famílias dos
corruptos, nomeadamente às suas mães; que não os tiveram para o crime.
“Os
sonhos nos põem para além das nossas dimensões”.
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