A Praça Bona Primo
aguarda ansiosa a chegada dos Festejos. Daqui a poucos dias a Prefeitura fará a
convocação dos barraqueiros para uma reunião no Teatro dos Estudantes.
Durante todo o ano
que passou, dividiu sua solidão noturna com uma corja de “malas” que insiste em
macular sua eterna aura de pacata, rodeada de casarões cheios de histórias e
mistérios.
A Praça Bona Primo
é o útero de Campo Maior, o nosso ponto de referência, a paisagem
vista pelos olhos da catedral de Santo Antônio. Suas raras árvores e plantas
quase que não conseguem sobreviver após anos e anos de festividades. Mesmo
depredada, mijada e pisada até a exaustão, se mantém digna na sua responsabilidade.
Volta a sorrir quando nos últimos dias de maio, as primeiras barracas enfiam
suas estacas e um vaivém incontrolável de carroças, eletricistas, barraqueiros
e vendedores de cerveja se engalfinham naquela enorme arena onde todos
defendem, com garras afiadas, seus interesses, seus territórios, seus lucros e
calotes supostamente abençoados pelo Santo Padroeiro.
A Paróquia aumenta
suas taxas, a Eletrobrás também, a cervejaria nº1 quer impor exclusividade e
aos barraqueiros cabe a difícil tarefa de servir a todos e obedecer calados.
Não tem um sindicato, um representante sequer.
A primeira a se
instalar, por tradição ou obrigação, é a do leilão. Serve como um cofre
abençoado. A do Chico Nunes é enorme, mas o seu capote tem um preço inacessível
aos pobres mortais. Lá, os políticos corruptos se confraternizam num banquete
de proporções bíblicas. A barraca Eldorado da Santa já faz parte do passado,
assim como aquele seu banheiro quebra-galho. O certo é que a magia dessa
minicidade, que sobrevive por apenas alguns dias, é contagiante.
O ponto alto
continua sendo a procissão do “pau” do Santo casamenteiro onde tudo é
grandioso. Os padres com seus paramentos de gala, abrem alas para uma multidão
de solteironas, turistas e os filhos da terra que sempre retornam carregados de
saudades. Os fiéis se espremem nas ruas estreitas e chegando na praça se
libertam gritando: - “Viva Santo Antônio, viva Santo Antônio”! Milhares deles
emocionados batem palmas, fazem promessas, acreditam que suas duras vidas
ganharão um novo rumo, lembram de seus familiares que já morreram, sorriem de
emoção.
Alguns raros e
solitários balões sobem aos céus levando notícias daqui de baixo aos anjos
distraídos. Chega o tão esperado momento dos fogos coloridos e foguetes
ameaçadores. Seria o ponto alto da festa? Todos de cabeça para cima exclamam:
-“Ohoooo!! Uma densa nuvem cinza e silenciosa anuncia que os Festejos estão
oficialmente começados.
Na praça,
disputamos lugar para sentar, reencontramos amigos de longas datas vestidos nas
suas melhores roupas, caminhamos ao redor da barraca do leilão sem horas para
voltar. Ficamos com água na boca olhando as maçãs do amor, o frito crocante de
tripa, as laranjas cheias d´água expostas num minúsculo tabuleiro. Por outro
lado, viramos a cara quando nos oferecem aquelas batatas fritas encharcadas de
óleo saturado, espetinhos de carne de pescoço e crepes, muitos crepes.
Por entre as folhas
dos altos coqueiros vemos a luminosidade da roda-gigante enferrujada que gira
sem parar. É o atrativo maior do parque de procedência duvidosa que se instala
milagrosamente entre a Igreja do Rosário e a caixa d´água.
Pena que a barba da
velha desapareceu, assim como os gomos de cana enfiados em palitos.
Incrivelmente há
espaço para todos. Do mais rico ao mais pobre todo mundo ouve o mesmo som da
banda ruim que toca, o farfalhar dos sapatos pelo calçamento, a máquina
barulhenta de vender sorvetes artificiais, o choro das crianças implorando por
aquelas bolas enormes e o som característico dos cascos vazios sendo guardados
nos engradados.
Até a falida Rua
Santo Antônio ganha um movimento extra no seu último cabaré. Raparigas de tudo
quanto é canto dão o ar de sua graça para faturar um pouquinho, principalmente
na noite dos vaqueiros. Afinal, tudo não se resume numa grande festa religiosa
e pagã?
Como justificar a
heresia daqueles filhinhos de papai com o som do carro ligado no volume máximo
em frente à casa do Bispo? Como conciliar bondade, perdão com a rapidez dos
ladrões que assaltam nossas carteiras?
Não dá para negar
que no final das contas todos saem ganhando. A Igreja com suas taxas e leilões
que varam a madrugada, o comércio em geral, a prostituição, as promessas dos
políticos em eterna campanha, a Prefeitura e seus impostos e você que gastou
muito e sorri de satisfação esperando o próximo ano.
Mas, o melhor
da festa é quando, às cinco da manhã, a banda toca no adro da Igreja.
Imperdível seria uma palavra pequena para traduzir. Logo depois o
sol nasce, as manhãs de junho são sempre frias e paira um silêncio quebrado
apenas pelas vassouras das varredeiras que limpam a praça para mais um dia onde
tudo se repetirá.
Chega o caminhão da
cerveja, passa a carroça vendendo carvão, beatas vestidas de branco caminham
apressadas para a missa, barraqueiros ressacados reclamam dos freezers velhos
que não gelam, bêbados vagam perdidos, o caminhão da limpeza recolhe montanhas
de lixo e do chão sobe aquele cheiro de cerveja quente derramada. À noite,
teremos a novena onde entoaremos nostálgicos, um hino belo, que de tão muito
belo nos faz sempre chorar. “Santo Antônio aparecido/estendei o vosso
olhar/sobre este torrão querido/sobre nós e nosso lar”
Que bom estarmos
vivos para viver a cada ano essa grande festa. Santo Antônio é milagreiro,
Santo Antônio é festeiro, Santo Antônio é nosso! Nesse ano fica mais uma vez
combinado: a gente se encontra por lá, com direito a Chiclete.