segunda-feira, 17 de junho de 2019

Cine Nazaré - Por Corinto Brasil

A imagem pode conter: Corinto Brasil, tocando um instrumento musical e violão
Corinto Brasil - Músico, Economista - Foto:arquivo pessoal Facebook
No início da década de 60, precisamente no ano de 1962, o saudoso sr. Zacarias Godim, cearense, filho de Sobral, inteligente, carismático, sensível e invejável conhecedor vivencial da arte do cinema, fundou em Campo Maior o CINE NAZARÉ. Denominado assim em homenagem a sua amada esposa: Maria de Nazaré Castelo Branco Lins. Funcionava em um imóvel alugado da Prefeitura Municipal, localizado ao lado da igreja de Santo Antonio (hoje Colégio Hilson Bona). Com extraordinário sucesso empreendedor e representativo da cultura da sétima arte, aquela casa abria sua bilheteria de segunda a sábado no horário de 19h30min e duas sessões aos domingos, nos horários de 18h30min e 20h30min. Vez por outra, seu espaço se transformava em casa de espetáculo para atender a empresários musicais que bancavam shows de artistas com renome nacional, como Valdik Soriano, Luis Gonzaga e Noca do Acordeon
O CINE NAZARÉ era o ponto de atração na maior parte de toda a sua existência (1962 a 1982) quando os adeptos, após cumprirem seus momentos religiosos participando da celebração aos domingos à tarde na igreja de Santo Antonio, eram atraídos pelos clássicos do cinema mundial; os não adeptos seguiam para a praça Rui Barbosa para arriscar outro atrativos. Após se deliciarem das guloseimas vendidos pelo Zé do Bombom, todos se postavam à fila com ingressos comprados a preços populares à mão, a emoção e a fantasia anestesiavam o coração do espectador na ânsia da entrega do bilhete ao fiel porteiro, Seu Estácio, e adentrar naquele recinto para aguardar o início do filme que seria determinado pelo horário ou pela lotação. 

Enquanto isso se ouvia como fundo musical um repertório de músicas instrumentais de orquestras famosas como: Grenn Miller, Românticos do Caribe, Perez Prado ou canções na voz de Silvinho, Carlos Alberto, Bienvenido Granda ou Ângela Maria. De repente, as luzes se apagam, os assovios e os gritos são abafados pelo som do hino da copa de 1958, ” A Taça Do Mundo É Nossa”, composição de: Maugeri, Muller, Sobrinho e Dagô que sempre se fez prefixo daquele momento. Ali o público confortavelmente sentado e pouco dava conta se ao seu lado tivesse um amigo, uma namorada, a esposa, o pai ou muito menos um desconhecido, se desligava de tudo e de todos. Estavam em frente à tela cinemascope e tecnicolor, já funcionando, assistindo primeiramente, aos mais variados trailers dos próximos filmes, às vezes passavam seriados de Roy Rogers, Bat Masterson ou Canal 100, documentários cinematográficos de eventos importantes e do futebol brasileiro exibido semanalmente em todas as salas de cinema do Brasil, em seguida o famoso vôo do Urubu da Condor e por fim o tão esperado filme. 


Nem tudo era um mar de rosas; não muito freqüente, as fitas se quebravam talvez por uma má conservação ou falha no equipamento de projeção ou ainda por falta de energia em Campo Maior, que ocorria devido esta ser gerada por motores a diesel. Na época a sobrecarga era um problema rotineiro na rede de distribuição, que não atendia a demanda local. Essas ocorrências tinham conseqüências desagradáveis no CINE NAZARÉ; A primeira era o suficiente para que a mãe de seu Milton fosse alvo de xingamentos obscenos; a segunda, aí sim, o estopim para entrar em cena, já bravo, com rosto avermelhado e passos firmes o sr. Zacarias Gondim que, para impor respeito, encarava todos com vista larga ao tempo em que repassava em voz alta e com habilidade de um mestre uma retórica dura de ensinamentos da moral e da ética para conseguir seu objetivo. Impressionante o domínio que mantinha daquela situação, pois conseguia mesmo! Todos se calavam, e o silêncio era geral. Após a normalidade, se não repetisse tudo outra vez, a tranquilidade imperava até o final do filme. 


Após negociação conjunta com proprietários do CINE REX e CINE ROYAL de Teresina, os filmes, vindos de Recife, com certo atraso eram enviados de avião, da empresa de Luis Severiano Ribeiro (pioneiro e proprietário de salas de cinema por todo o país) para nossa capital, só depois de exibidos naqueles cinemas chegavam ao CINE NAZARÉ. Recebidos pelo técnico em máquinas de projeção, o Sr. Milton Passos, que fazia um trabalho cuidadoso, minucioso, cansativo e rotineiro destes, corrigindo-os com cortes, remendos com colagens de acetona usada em limpeza de unhas. Vezes sobravam, vezes faltavam tirinhas dessas películas; as que sobravam, caíam nas mãos de meninos que levavam pra casa e usavam em projetores confeccionados por eles: Eram projetores de brinquedo cuja matéria prima era uma lâmpada comum transparente cheia de água usada como lente, uma caixa preferivelmente de sapato com dois furos distintos, um espelho pequeno desses comprados em camelôs e a imagem era projetada aproveitando a fresta de luz do sol do meio dia numa parede conforme a luminosidade de uma das dependências da residência. Um brinquedo incrivelmente saudável e instrutivo da época.


Aquela sala de cinema, na sua fase áurea, representou em Campo Maior um mundo mágico de fantasia, lazer e cultura e repassou para várias gerações verdadeiras maravilhas do cinema. Qual espectador ao assistir, quando menino ou adulto, não se fez passar por Tarzan, imitando o grito e o nado de Johnny Weissmuller? Quem não se “inchou” para parecer com Gordon Scott, Lex Baker, Steves Reeves e Kirk Morris nos filmes de Macister? Quem não se postou entre duas colunas para imitar o gesto de Victor Mature em Sansão e Dalila? Quem não praticou o sapateado de Fred Astayre ou de Gene Kelly no musical Cantando na Chuva? Quem não Chorou de rir com os mungangos e palhaçadas de Jerry Lewis, Ankito, Oscarito, Cantinflas, o gordo e o magro personagens de Oliver Hardy e Stan Laurel no cinema mudo? Quem não caminhou comicamente, como o mestre maior dessa categoria com seus inúmeros e criativos filmes, o ator Charles Chaplin? Quem não usou uma espada de plástico e máscara para fantasiar-se de Zorro ou para imitar Errol Flynn em Capitão Blood e As Aventuras de Robin Wood? Quem não assoviou a trilha sonora composta por Ennio Morricone para filme Três Homens em Conflitos? Quem não fez um revólver de madeira feito à mão para brincar de cowboy e praticar as habilidades de John Wayne, Gregory Peck, Burt Lancaster, Robert Mitchum, Kirk Douglas, James Stewart, Glenn Ford, Lee Marvin, Audie Murphy, Henry Fonda, Yul Brynner, Randolph Scott e Alan Ladd nos mais variados filmes de faroeste? Quem não passou brilhantina nos cabelos para parecer com Cary Grant, Tony Curtis, Paul Newman, Alain Delon, Marcelo Mastroianni, Robert Taylor e James Dean? Até mesmo Christopher Lee no papel de Fumanchú e Conde Drácula inspiraram vários apelidos. Quem não se encantou com os épicos Ben-Hur, El-Cid com Charlton Heston, Spartacus, Ulisses com Kirk Douglas, Rômulo e Remo com Gordon Scott e Steves Reeves, Alexandre o grande, Cleópatra, Hamlet com Richard Burton, Colosso de Rodes, Marco Pólo com Rock Hudson, os bíblicos Os Dez Mandamentos com Charlton Heston, Sansão e Dalila, O Manto Sagrado com Victor Mature; os clássicos Ladrão de Bicicletas de Victorio de Sica, e Assim Caminha a Humanidade com Elizabhett Taylor, James Dean e Rock Hudson, E o Vento Levou com Clark Gable e Vivian Leight, O Amor de Minha Vida, Rua da Vaidade com Katharine Hepburn, Adorável Pecadora, e O Pecado Mora ao Lado com Marilyn Monroe, Gilda Com Glenn Ford e Rita Hayworth, Uma Face e Dois Corações com Tyronny Power, Casablanca com Hamphry Borgart, Sindicato de Ladrões e Caçada Humana com Marlon Brando? Muitas garotas se espelhavam na sensualidade e beleza de Rita Hayworth, Marilyn Monroe e Maureen O’Hara, na personalidade durona de Doris Day, na delicadeza de Ava Gardner e na esperteza de Sofia Loren. 


No final dos anos 60, com a chegada das primeiras imagens de televisão, o CINE NAZARÉ começou a sofrer consequências devido à novidade, a TV Ceará, afiliada da extinta Rede Tupy do Rio de Janeiro, com imagem ainda em preto e branco, transmitida através de uma torre implantada no município de Pedro II. A Movelaria Santo Onofre, para vender seus televisores, usava como propaganda os próprios aparelhos ligados em suas vitrines de 18 às 24 horas, todos os dias. Mesmo com uma sucinta programação, aquele local, situado na av. Demerval Lobão, tornava-se o ponto de referência, atração e lazer do momento, conquistando cada vez mais adeptos. 


No início dos anos 70, o CINE NAZARÉ começava a ter prejuízos na bilheteria, mas o sr. Zacarias Godim, mesmo assim, continuou tocando o negócio e, nesse período apareceram como suporte para melhor enfrentar a concorrência os filmes que se tornaram bastante populares e assistidos por muitos fãs no mundo todo. Eram os cowboys Italianos que tinham como astros: O galã Giuliano Gemma, Terence Hill que fazia parceria com Bud Spencer nos filmes de Trinity e Franco Nero, outro grande ator que interpretava Django. Outros filmes importantes chegam àquela sala de cinema, os de lutas marciais de Karatê e Kung Fú no começo, muito bom; o espectador adorava assistir porque tinham uma história interessante como em, O Vôo do Dragão, interpretado pelo astro Bruce Lee, ator considerado mito das artes marciais do cinema. Após essa fase, seguiu-se uma seqüência desses filmes de lutas caracterizados por má produção e baixos custos, sem início, nem fim e sem enredo só pancadarias e exageros nas filmagens: eram os famosos filmes de Ninjas que, no entanto, chamaram a atenção de jovens dos diversos bairros da cidade como o Cariri, o Matadouro e o de Flores. Público cativo e inspirado, com freqüência, rolava entre eles uma parada violenta dentro ou fora do recinto. (Essa turma ficou conhecida como Ninjas) Em sequência, com a alternância de filmes pornográficos explícitos ficou mais difícil a situação do CINE NAZARÉ, tornando-se notória a decadência pois o público se afastava cada vez mais, a televisão tornava-se o centro das atrações populares, os prejuízos aumentavam e foi por esses e outros motivos que ficou inviável manter abertas as portas daquela que foi a maior casa de lazer e cultura de Campo Maior. 


Com o fechamento, o Sr. Joãozinho Félix negociou com o Sr. Zacarias Godim a compra daquele Cine, e com bastante dificuldade manteve-o ainda em funcionamento por mais um ano, não suportando a margem de lucro que era insuficiente, vendeu para o Sr. Raimundo Pereira todas as máquinas de projeção onde estas foram levadas para as dependências do andar superior da estação rodoviária Zezé Paz. Depois disso, embora tenha havido várias tentativas sem êxito ninguém conseguiu resgatar os tempos áureos do CINE NAZARÉ.


O sr. Zacarias Gondim, por sua vez, embora já cansado não se deixou abater e, apaixonado pela sétima arte, adquiriu um novo e ultramoderno equipamento portátil, e continuou seu trabalho viajando em sua rural, para as cidades vizinhas onde divulgava aquilo que mais o fazia feliz.
Campo Maior, 14 de Junho de 2019

Um comentário:

Unknown disse...

História fantástica na qual tive o prazer na década de 80 assistir naquela casa um filme do Bruce Lee.muito bom parabéns Corinto Brasil .