Sétimo e Oitavo eram irmãos. As suas infâncias,
no regaço libertário do sertão, escoaram-se remansosamente sob as notas da
passarada em festa, porém pontuadas por momentos que marcam qualquer quadra
infantojuvenil: contendas, vivacidades, ledices, daninhezas.
Enquanto Sétimo revelava, desde cedo,
gosto pelos estudos, traço da mãe, puxadora de novenas, Oitavo, forjando-se nas
coordenadas do pai, consagrava-se à vida campestre e seus instantâneos.
A separação dos irmãos tornou-se inevitável.
Sétimo, em busca de seu destino, desatou-se cedo, ao primeiro buço, pelo mundo,
meio que assustado com a própria coragem, em busca de estudos eminentes, deixando
Oitavo nos quefazeres da vida campesina. Isso foi nos tempos em que a vida
agreste era marcada pela fé, pela religiosidade, pelas histórias de assombração
e pelo Lunário Perpétuo: um almanaque popular, bíblia dos camponeses, ilustrado
com xilogravuras e difundido, mais das vezes, por meio de oitivas durante os serões
familiares sertanejos. (o Lunário foi inventado em Valência m 1594 e
expurgado pela inquisição em 1632).
Enquanto Sétimo, ao cabo de anos,
prosperava no magistério superior na capital, Oitavo, — cujo vezo irresistível
consistia em realizar caçadas para posteriormente, assentado nos calcanhares,
recontá-las com pitadas de achegas fantasiosas — crescia na fama de contador de
histórias; mentiroso ante as bocas delatoras. Do glossário de histórias desse
façanhudo contador, desarquivei ASSOMBRAÇAO
DE PLACENTA para difundi-la entre os que ainda rendem homenagem ao fabulário
brasileiro. Ei-la.
A caçada, infrutífera, chegara ao
termo. Oitavo, fatigado, exortou os cachorros, esfalfados, a pegarem o caminho
de casa; estes à frente, Oitavo atrás. O
clarinar altissonante do carijó “lasca-peito”, saudando a alvorada, reafirmava
a Oitavo a proximidade de sua casa. Repentinamente, na pretidão da noite, um
vulto, indistinto, mas que remetia a uma noiva de véu, pôs-se no meio do
caminho, suspenso do chão feito um pêndulo retesado. Conflagrado de arrepios
Oitavo, num misto de reprimenda e obsequiosidade, vozeou: — por favor,
retire-se do meu caminho! A figura
branca, verticalizada e dormindo na mudez, permaneceu estática; envolta no que
parecia ser um jaleco alvacento. Oitavo repetiu o aviso agora de forma
exasperada, mas debalde. Quedo estava e quedo permaneceu o espectro. Baldadas
todas as advertências e evitando fraquejar no medo, avultado, que lhe fizera
decair a coragem, Oitavo bradou: — se deseja algo de mim diga logo, mas
retire-se do meu caminho. Se não sair
por gosto seu sairá pelo gosto da minha faca e sob ela cairá. Mais uma vez a
aparição manteve-se inerte, fato que excitou Oitavo ao combate; movido, evidentemente,
por um medo maior que a coragem. Sem nenhum tipo de reação do fantasma, Oitavo,
de faca à mão, instintivamente arremessou, com ímpeto, uma pedra, circunstância
que fez o vulto, incontinente, desabar como se tivesse dependurado nas alturas;
desapareceu por completo. Pasmado, Oitavo escutou, na sequencia, o relincho da
Medalha, sua égua de estimação, da cor do azeviche, que, sofrendo na dor de
demorado partejo, assustara-se com a pedra que lhe caíra à anca e, arrojando-se
à frente, num impulso, conseguira, enfim, expulsar o potrinho de modo cabal. A consequente
ruptura do envoltório placentário, cândido, fez desaparecer, por completo, a
assombração de placenta.
“Nem tudo
que parece é, porém tudo é se assim lhe parece”.
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