segunda-feira, 5 de agosto de 2013

SÉRGIO EMILIANO

Cronista amoroso com sua terra natal, Sérgio Emiliano nos brinda com sua visão especial do mercado de Campo Maior.


Em todas as cidades do mundo existe um mercado. O de Campo Maior nasceu há décadas e como moro muito próximo, percebo até as negociações mais escusas. Negocia-se de tudo. 

Nas ruas em seu entorno, é possível ver ônibus e caminhões que chegam e saem morosamente, principalmente nas segundas-feiras, o dia da feira. Deles, descem os aposentados, crianças e jovens com algo para resolver na cidade. Trazem com eles, rapaduras, buriti, o raríssimo mel, pimentas, porcos e cabras que berram sem parar.

Na parte principal do mercado, ficam as carnes de todos os tipos, expostas na pedra dura ou em ganchos afiados junto às paredes. O cheiro característico de carne crua e sangue seco impregna todo o ambiente, contribuindo para uma atmosfera pesada e horrenda. 

Somos carnívoros e lá é nosso templo. Desde as cinco da manhã, já escuto o barulho de vozes altas, palavrões e facas sendo afiadas freneticamente. Os marchantes usam uma bata branca que vai ficando imunda com o passar do dia. São ignorantes ao extremo e eles têm a palavra final
sempre. 

Grandes corações de bois são fatiados e suas tripas ainda fedendo à merda, te remetem à famosa panelada. Todos sabem o que você come e quando alguém compra ossos dizem que é para os cães de sua casa. Mas juro que jamais sairia de lá com uma cabeça de porco.

No fim da tarde, toda aquela área é lavada e uma cascata de água imunda desce os seus degraus espantando os cachorros que esperam pelo o milagre de ter algo para comer. Logo depois, chegam novos clientes atrás do fígado fresco que só chega nesse horário. Camionetas chegam com um novo carregamento de bois com o sangue vivo pingando no asfalto.

Nos fundos dessa enorme área, uma multidão de famintos lotam os tamboretes dos boxes que vendem café. O cheiro do cuscuz é mais forte e aí, lembramos da cozinha da vovó. Há muito respeito e simplicidade nos bom dias que são dados a cada um que vai chegando. É uma rotina, mas sentimos a alegria no rosto daquelas senhoras. Os "alumínios" brilham como um espelho e o leite é eternamente quente. Passo uma hora assoprando para dar o primeiro gole naquele copo americano.

Atrás desses boxes, tem uma saída para o Beco dos Lisos. Uma rua estreita, cheia de árvores, com lanchonetes e bares. Sempre encontramos por lá os boêmios de plantão. Chegam para tomar a última e se empanturram com caldo, panelada e sarapatel. 

E em todos os cantos, tem uma banca vendendo CDs piratas com o som pelas alturas.

Na rua ao lado, trabalhadores braçais suados e exaustos descarregam mais um caminhão vindo do Ceará. Aliás, tudo vem das serras do Ceará. Com um cigarro US no canto da boca eles descem os jacás abarrotados de verduras, frutas e legumes. Do outro lado da rua, galinhas, capotes e porcos ficam pelo chão à espera dos atravessadores.

Imaginem toda essa cena no período da Semana Santa. É sinistro!

Ao lado, ficam as feirantes que vendem de tudo. Sempre solícitas, sorriem com os olhos e com as mãos ágeis, arrumam com esmero a pirâmide de tomates, laranjas e berinjelas. A cada passo, um aroma diferente: é o cheiro verde dentro da vasilha com água, o alface, e alguém debulhando animadamente, um monte de feijão verde que contribui mais ainda para aquela eterna atmosfera festiva, que nunca vai embora.

No galpão anexo, ficam as cozinheiras. São vários boxes e o cheiro de comida toma conta de todo o ambiente. Às seis da manhã já tem gente comendo arroz, macarrão, cozidão e muita pimenta. Tudo flutua no ar e alguém lá canto, bem caladinho conserta relógios Orient vindos do Paraguai. No final desse local fica o setor dos peixes. Nem precisa falar do cheiro. Surubins gigantes fazem boa vizinhança com as piabas da vida. É difícil passar por lá e não ter uma escama que grude na sua cara.

Depois dessa área há um galpão enorme onde se comercializa farinha, arroz, feijão e milho. Várias pessoas ficam a manhã inteira serpenteando entre as sacas, comprando, trocando e vendendo. Em frente, ficam as bancas com garrafas cheias de manteiga da terra, cravos-da-índia, corante, pimenta-do-reino, sementes de sucupira, puba, óleo de peba... um emaranhado de ervas e raízes indescritíveis. Ao lado, lamparinas, tamboretes, chapéus e cordas.

Sempre que vejo aqueles azulejos pintados com o vaqueiro e seu cavalo correndo atrás de um boi em disparada, fico emocionado. Parece a tela de um cinema com dimensões idênticas. Vejo a serra azul ao fundo e várias carnaúbas que intensificam ainda mais, a beleza daquele mural.

Maior e melhor que o nosso mercado, são sua histórias, bêbados e camelôs. E jamais, quem realmente amar Campo Maior, poderá um dia dizer que ele não faça parte da sua vida, das suas lembranças, do seu cotidiano.

Sérgio Emiliano.

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