segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Na terra de Fidel - Sérgio Emliano





Depois de muitos sonhos, conheci a ilha de Fidel. A escolha do destino sempre esteve associada à necessidade de entender e conhecer, como sobrevive o país da famosa revolução socialista de 1959 com suas sequelas sociais e políticas. O que 50 anos de embargo econômico será capaz de fazer? Também procurei obedecer a uma máxima do Dalai Lama que diz que pelo menos uma vez por ano, devemos ir a algum lugar onde nunca estivemos antes. Praticar o olhar estrangeiro, ou seja, se não vermos coisas diferentes, jamais faremos algo diferente. É preciso se "assombrar" com a paisagem do outro.

Deixei o governo castrista de lado como condição principal da visita e aguardava ansioso pela surpresa. Boa ou má, serei o mais fiel possível nesse relato de viagem. Porém, como descrever sensações tão íntimas? Quem poderá entender a paz que senti, sentado sozinho, no paredão do Malécon vendo o sol dourado desaparecer no horizonte do Caribe? Viajei, lembrando do navegador Cristóvão Colombo, que descobriu a ilha em 1492 e ficou maravilhado com as cores e o cheiro de canela que perfumava as árvores e os pássaros. Era tudo que eu queria: estar ali, vivendo o que sempre quis viver, sem os receios que um lugar exótico possa causar. Muito bom andar pelas ruas ouvindo um língua diferente, descobrindo que maria isabel e paçoca não é a melhor comida do mundo e que a nossa bossa nova, pode sim, ser substituída pelo som inconfundível dos músicos cubanos.

Foram fortes emoções entre realidades sociais e cultura, regada a muito mojito, rumba e salsa. Lá, o socialismo, é bem financiado pelo "boom" do turismo incipiente, que virou a menina dos olhos dos "irmãos" Castro, tornando-se uma importante política pública do país depois do fim da União Soviética, do colapso da Venezuela, e que gera; desigualdades sociais e raciais muito menores e diferentes das que ocorrem nos países capitalistas, e que faz a maior parte da população, viver numa "igualdade de pobreza" resignada e consciente. A toda poderosa China, agora é a bengala da vez.

Eu nunca quis celebrar a realidade cubana como a esperança mais próxima das teorias marxistas e muito menos, elucidar preconceitos, ignorâncias e decepções dos falsos turistas que só sabem idolatrar Nova Iorque e Paris. Aliás, diga-se de passagem, o preço da viagem sairia quase o mesmo. Claro, que sempre fui curioso por Fidel, por toda sua história, e contra a mídia anticomunista que assola o mundo. Até o odor do Che foi capa da Time americana. E daí? Sou obrigado a virar cordeiro do Imperialismo?

Desembarquei no aeroporto San Martin deixando dentro do avião, o medo de comidas diferentes, as opiniões dos catimbeiros de plantão, um chuveiro e lençol que bem poderia ser parecido com o meu. Fui conhecer, ver com meus olhos inquietos, o dia a dia daquele povo cheio de histórias. Os cubanos são fascinantes e quando eles descobrem que você é brasileiro, todos os maracás chincalham a seu favor.

A arquitetura espanhola tombada pela Unesco é puro encanto, assim como seus castelos, os mais antigos das Américas.Dizem que as colunas do casario espanhol cubano foram esculpidas com música.E é verdade.Fiquei louco observando cada detalhe, cada pedra, foi como andar pela velha Servilha.
 
O voo da Copa air decolou de Brasília e após sete horas sobre a Amazônia, descemos para uma conexão na Cidade do Panamá,conhecida pelo seu Canal e um aeroporto que mais parece um shopping.Nunca vi tantas lojas de griffes num mesmo lugar.Com mais duas horas e meia sobre o Caribe,da janela do avião eu avistei a ilha comunista cercada de todos os lados pelo mar capitalista. Pelo menos, era de um azul turquesa intenso, algo que nem os olhos de um poeta viajeiro, seriam capazes de traduzir.

Será se vão abrir minha mala, terei cara de espião da CIA, levo algum produto proibido? Claro que dá um frio na barriga e vários cachorros cheiravam as malas na esteira. Por temer, que os turistas sofram represália na imigração dos Estados Unidos, eles colocam apenas o carimbo num "visto" que chamam de tarjeta, comprada ainda no Brasil.Mas, eu fiz questão do carimbo no meu passaporte, até porque, não me interessa visitar a terra do Tio Sam.Saí lindo na foto, todo vestido numa camisa da Seleção.

Como o dólar não é bem vindo(sofre uma taxação de até 25%), troquei meus euros no aeroporto pela moeda local chamada de CUC. Os nativos usam o peso cubano que é muito desvalorizado, cerca de 25 vezes menos. Do aeroporto segui para o hotel onde passaria alguns dias e depois me hospedaria na casa de cubanos para viver uma experiência ainda mais intensa. Eles precisam complementar suas rendas e aí, alugam quartos com café da manhã e almoço, por um preço bem  econômico.Também nessas casas, existem os famosos Paladares, que são restaurantes com a comida local, muita conversa, amabilidade e simpatia que chega a transbordar.Camarão frito, arroz misturado com feijão, banana frita....

Por toda a cidade, cartazes gigantes enaltecendo o regime de um só partido. São 11 milhões e meio de cubanos e na capital Havana, moram quase 3 milhões de pessoas. Todos vestem as mesmas roupas. Ninguém é diferente pelos trajes. São roupas simples e coloridas, compradas numa só loja. Os homens altos, brancos e de olhos verdes e azuis, constratam com a negritude das mulheres de bundas enormes. Eles não perdoam a própria mãe na hora das cantadas. Elas fingem que não gostam dos galanteios.

Não há lojas, shoppings, propagandas (graças a Deus). A internet é péssima e apenas para turistas. O celular é para poucos e foi uma maravilha não ver uma legião de jovens com a cara grudada num Sansung 5S. Eles conversam, olham dentro do olho, namoram muito, dançam, abraçam o mar todos os fins de tarde e o futuro....eu não sei.

Não existe motel no país. Alguns quartos são alugados naqueles prédios decadentes. A medida que subimos no prédio, luzes vermelhas e um som de salsa bem baixinho passam pelo desnível da porta. A cada degrau um amasso, uma beliscada, casais que descem sorrindo,  gargalhadas encharcadas de run ouve-se por todo o prédio.

Não há prostituição infantil. A polícia é severa e temida. Câmeras de vigilância estão por todos os lados. Experimente ligar para o número 160 e no máximo, em cinco minutos, um carro da polícia chega aos seus pés. Não há crack, drogados pelos ruas, mendigos, prostitutas e travestis se expondo em vias públicas. Andei pelas ruas da velha Havana às três horas da madrugada e nada aconteceu. Sabe aquela sensação de segurança? Pois é. Ela existe e isso não tem preço.

Os carros são da década de 40 e 50. Cadilacs, rabos de peixe, conversíveis... lindo, lindo.Só acreditando muito em Deus para tentar entender como aqueles carros ainda andam. Algumas vezes quebravam e em cinco minutos o motorista já achava o defeito. Fazem um fumacê horrível e há casos em que uma fuligem gordurosa e negra, é jogada na cara e na roupa dos passageiros. Mesmo assim, eu corria o risco e rodava toda Havana num conversível com o som nas alturas.

Sim, a música anda em todo lugar. De cada janela, de cada casa, um instrumento vai sendo tocado. Tudo é ao vivo, nada de som mecânico. O barulho na cidade é enorme. Pulsa aquela multidão de pessoas tomando ônibus, indo trabalhar, o ronco dos motores dos carros e o sol é impiedoso. Nos meses de julho, agosto e setembro é a temporada de furacões e nos hotéis há avisos nas portas de como se comportar na hora da ventania.

Andei, andei e andei. Conversei com professores, policiais, taxistas, jineteiros (eles são inclementes), e tudo virava um convite para almoçar em suas casas, com seus familiares. São pessoas cultas, sabem da sua realidade, adoram o Brasil, mas quando perguntados sobre o futuro, dão o silêncio como resposta. É uma crise e se não fosse os euros do turismo a ilha entraria em colapso. O porto Mariel estava lá (lindo e maravilhoso), os hospitais tratando de vitiligo e ainda hoje, tem mil russos fazendo tratamento contra a radioatividade da usina de Chernobyl. Os famosos médicos cubanos existem ao redor do mundo desde 1960 quando houve um terremoto no Chile. Hoje, eles são 120 mil espalhados por todo o planeta.

A Universidade de Havana é linda e antiga. Existe desde 1720 e dentro de seus muros há muita sombra, jardins, alunos de todos os países. Fiquei lá horas, conversando com um professor de história e ainda conheci dois museus dentro da própria universidade.

As crianças, todas fardadas, indo para escola de manhã cedo era de encher os olhos. Há turmas para música, balé, teatro, dança e um museu de belas artes de cair o queixo. O bairro chinês é uma loucura. Lá tem muito chinês, descendentes dos trabalhadores que vieram substituir a mão de obra africana com o fim da escravidão. Depois da cana de açúcar, acho que a plantação que esse povo mais trabalha é no cultivo de hortelã. Pense numa cidade que consome mojitos. São folhas e folhas de hortelã num único drinque.

Eu amei aquela gente simples e acolhedora. Não perdia eles indo para as feiras livres de manhãzinha. Tudo muito regrado, falta alguns alimentos e um sabonete capitalista vale um sorriso escancarado de um cubano com direito a 150 dentes brancos.

Almocei num bar GLS, existe pensão apenas para esse público e à noite fui a eleição da Garota Gay Cubana edição 2014. Cada uma media, aproximadamente, 3 metros de altura. A polícia não foi chamada e ninguém ficou preso num campo de concentração, como prega a mídia anticomunista.

Não esqueçam de visitar os terreiros cubanos. São fantásticos, os mais famosos do mundo. Em toda periferia de Havana, explodem os tambores da Santeria. Culturalmente é muito forte, acho que metade da população frequenta. Detalhe: eles podem praticar qualquer  religião. Existe igrejas católicas, ortodoxas, batistas e Jeová. Menos os mórmons, por motivos óbvios.
A Embaixada americana é supervigiada, lotada de policiais e câmeras. Não me deixaram tirar fotos. Ainda bem!

O resto foi encher a cara de run que é fantástico. Você bebe o dia inteiro e não tem ressaca. Nunca havia bebido uma coisa tão gostosa na minha vida. Sempre ao entardecer, comprava minha garrafa de Havana Club 7 anos e descia para o El Malecon, que é a avenida beira-mar. Tem 8 km de extensão e todos os cubanos são idolatrados pelo lugar. Famílias inteiras esperam o sol se esconder nas entranhas do mar. Bebem, cantam, tocam, riem alto, fumam charutos e até esquecem que Miami fica a 130 km dali. Vivem um dia de cada vez.  Acompanham as ondas que lavam e relavam o paredão. Venta muito. O amanhã? Eu juro que não sei e muito menos eles.
Sergio Emiliano.
junho/2014

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