Depois de muitos sonhos,
conheci a ilha de Fidel. A escolha do destino sempre esteve associada à
necessidade de entender e conhecer, como sobrevive o país da famosa revolução
socialista de 1959 com suas sequelas sociais e políticas. O que 50 anos de
embargo econômico será capaz de fazer? Também procurei obedecer a uma máxima do
Dalai Lama que diz que pelo menos uma vez por ano, devemos ir a algum lugar
onde nunca estivemos antes. Praticar o olhar estrangeiro, ou seja, se não vermos
coisas diferentes, jamais faremos algo diferente. É preciso se "assombrar"
com a paisagem do outro.
Deixei o governo castrista
de lado como condição principal da visita e aguardava ansioso pela surpresa. Boa
ou má, serei o mais fiel possível nesse relato de viagem. Porém, como descrever
sensações tão íntimas? Quem poderá entender a paz que senti, sentado sozinho,
no paredão do Malécon vendo o sol dourado desaparecer no horizonte do Caribe?
Viajei, lembrando do navegador Cristóvão Colombo, que descobriu a ilha em 1492
e ficou maravilhado com as cores e o cheiro de canela que perfumava as árvores
e os pássaros. Era tudo que eu queria: estar ali, vivendo o que sempre quis
viver, sem os receios que um lugar exótico possa causar. Muito bom andar pelas
ruas ouvindo um língua diferente, descobrindo que maria isabel e paçoca não é a
melhor comida do mundo e que a nossa bossa nova, pode sim, ser substituída pelo
som inconfundível dos músicos cubanos.
Foram fortes emoções entre
realidades sociais e cultura, regada a muito mojito, rumba e salsa. Lá, o socialismo,
é bem financiado pelo "boom" do turismo incipiente, que virou a
menina dos olhos dos "irmãos" Castro, tornando-se uma importante
política pública do país depois do fim da União Soviética, do colapso da
Venezuela, e que gera; desigualdades sociais e raciais muito menores e
diferentes das que ocorrem nos países capitalistas, e que faz a maior parte da população,
viver numa "igualdade de pobreza" resignada e consciente. A toda
poderosa China, agora é a bengala da vez.
Eu nunca quis celebrar a
realidade cubana como a esperança mais próxima das teorias marxistas e muito
menos, elucidar preconceitos, ignorâncias e decepções dos falsos turistas que
só sabem idolatrar Nova Iorque e Paris. Aliás, diga-se de passagem, o preço da
viagem sairia quase o mesmo. Claro, que sempre fui curioso por Fidel, por toda
sua história, e contra a mídia anticomunista que assola o mundo. Até o odor do
Che foi capa da Time americana. E daí? Sou obrigado a virar cordeiro do
Imperialismo?
Desembarquei no aeroporto
San Martin deixando dentro do avião, o medo de comidas diferentes, as opiniões
dos catimbeiros de plantão, um chuveiro e lençol que bem poderia ser parecido
com o meu. Fui conhecer, ver com meus olhos inquietos, o dia a dia daquele povo
cheio de histórias. Os cubanos são fascinantes e quando eles descobrem que você
é brasileiro, todos os maracás chincalham a seu favor.
A arquitetura espanhola
tombada pela Unesco é puro encanto, assim como seus castelos, os mais antigos
das Américas.Dizem que as colunas do casario espanhol cubano foram esculpidas
com música.E é verdade.Fiquei louco observando cada detalhe, cada pedra, foi
como andar pela velha Servilha.
O voo da Copa air decolou de Brasília e após sete horas sobre a Amazônia,
descemos para uma conexão na Cidade do Panamá,conhecida pelo seu Canal e um
aeroporto que mais parece um shopping.Nunca vi tantas lojas de griffes num
mesmo lugar.Com mais duas horas e meia sobre o Caribe,da janela do avião eu
avistei a ilha comunista cercada de todos os lados pelo mar capitalista. Pelo
menos, era de um azul turquesa intenso, algo que nem os olhos de um poeta
viajeiro, seriam capazes de traduzir.
Será se vão abrir minha
mala, terei cara de espião da CIA, levo algum produto proibido? Claro que dá um
frio na barriga e vários cachorros cheiravam as malas na esteira. Por temer,
que os turistas sofram represália na imigração dos Estados Unidos, eles colocam
apenas o carimbo num "visto" que chamam de tarjeta, comprada ainda no
Brasil.Mas, eu fiz questão do carimbo no meu passaporte, até porque, não me
interessa visitar a terra do Tio Sam.Saí lindo na foto, todo vestido numa
camisa da Seleção.
Como o dólar não é bem
vindo(sofre uma taxação de até 25%), troquei meus euros no aeroporto pela moeda
local chamada de CUC. Os nativos usam o peso cubano que é muito desvalorizado,
cerca de 25 vezes menos. Do aeroporto segui para o hotel onde passaria alguns
dias e depois me hospedaria na casa de cubanos para viver uma experiência ainda
mais intensa. Eles precisam complementar suas rendas e aí, alugam quartos com café
da manhã e almoço, por um preço bem econômico.Também
nessas casas, existem os famosos Paladares, que são restaurantes com a comida local,
muita conversa, amabilidade e simpatia que chega a transbordar.Camarão frito,
arroz misturado com feijão, banana frita....
Por toda a cidade, cartazes
gigantes enaltecendo o regime de um só partido. São 11 milhões e meio de
cubanos e na capital Havana, moram quase 3 milhões de pessoas. Todos vestem as
mesmas roupas. Ninguém é diferente pelos trajes. São roupas simples e coloridas,
compradas numa só loja. Os homens altos, brancos e de olhos verdes e azuis,
constratam com a negritude das mulheres de bundas enormes. Eles não perdoam a própria
mãe na hora das cantadas. Elas fingem que não gostam dos galanteios.
Não há lojas, shoppings,
propagandas (graças a Deus). A internet é péssima e apenas para turistas. O
celular é para poucos e foi uma maravilha não ver uma legião de jovens com a
cara grudada num Sansung 5S. Eles conversam, olham dentro do olho, namoram
muito, dançam, abraçam o mar todos os fins de tarde e o futuro....eu não sei.
Não existe motel no país. Alguns
quartos são alugados naqueles prédios decadentes. A medida que subimos no
prédio, luzes vermelhas e um som de salsa bem baixinho passam pelo desnível da
porta. A cada degrau um amasso, uma beliscada, casais que descem sorrindo, gargalhadas encharcadas de run ouve-se por
todo o prédio.
Não há prostituição
infantil. A polícia é severa e temida. Câmeras de vigilância estão por todos os
lados. Experimente ligar para o número 160 e no máximo, em cinco minutos, um
carro da polícia chega aos seus pés. Não há crack, drogados pelos ruas,
mendigos, prostitutas e travestis se expondo em vias públicas. Andei pelas ruas
da velha Havana às três horas da madrugada e nada aconteceu. Sabe aquela sensação
de segurança? Pois é. Ela existe e isso não tem preço.
Os carros são da década de
40 e 50. Cadilacs, rabos de peixe, conversíveis... lindo, lindo.Só acreditando
muito em Deus para tentar entender como aqueles carros ainda andam. Algumas
vezes quebravam e em cinco minutos o motorista já achava o defeito. Fazem um
fumacê horrível e há casos em que uma fuligem gordurosa e negra, é jogada na
cara e na roupa dos passageiros. Mesmo assim, eu corria o risco e rodava toda Havana
num conversível com o som nas alturas.
Sim, a música anda em todo
lugar. De cada janela, de cada casa, um instrumento vai sendo tocado. Tudo é ao
vivo, nada de som mecânico. O barulho na cidade é enorme. Pulsa aquela multidão
de pessoas tomando ônibus, indo trabalhar, o ronco dos motores dos carros e o
sol é impiedoso. Nos meses de julho, agosto e setembro é a temporada de furacões e
nos hotéis há avisos nas portas de como se comportar na hora da ventania.
Andei, andei e andei. Conversei
com professores, policiais, taxistas, jineteiros (eles são inclementes), e tudo
virava um convite para almoçar em suas casas, com seus familiares. São pessoas
cultas, sabem da sua realidade, adoram o Brasil, mas quando perguntados sobre o
futuro, dão o silêncio como resposta. É uma crise e se não fosse os euros do
turismo a ilha entraria em colapso. O porto Mariel estava lá (lindo e
maravilhoso), os hospitais tratando de vitiligo e ainda hoje, tem mil russos
fazendo tratamento contra a radioatividade da usina de Chernobyl. Os famosos
médicos cubanos existem ao redor do mundo desde 1960 quando houve um terremoto
no Chile. Hoje, eles são 120 mil espalhados por todo o planeta.
A Universidade de Havana é
linda e antiga. Existe desde 1720 e dentro de seus muros há muita sombra,
jardins, alunos de todos os países. Fiquei lá horas, conversando com um
professor de história e ainda conheci dois museus dentro da própria
universidade.
As crianças, todas fardadas,
indo para escola de manhã cedo era de encher os olhos. Há turmas para música,
balé, teatro, dança e um museu de belas artes de cair o queixo. O bairro chinês
é uma loucura. Lá tem muito chinês, descendentes dos trabalhadores que vieram
substituir a mão de obra africana com o fim da escravidão. Depois da cana de
açúcar, acho que a plantação que esse povo mais trabalha é no cultivo de hortelã.
Pense numa cidade que consome mojitos. São folhas e folhas de hortelã num único
drinque.
Eu amei aquela gente simples
e acolhedora. Não perdia eles indo para as feiras livres de manhãzinha. Tudo
muito regrado, falta alguns alimentos e um sabonete capitalista vale um sorriso
escancarado de um cubano com direito a 150 dentes brancos.
Almocei num bar GLS, existe
pensão apenas para esse público e à noite fui a eleição da Garota Gay Cubana
edição 2014. Cada uma media, aproximadamente, 3 metros de altura. A polícia não
foi chamada e ninguém ficou preso num campo de concentração, como prega a mídia anticomunista.
Não esqueçam de visitar os
terreiros cubanos. São fantásticos, os mais famosos do mundo. Em toda periferia
de Havana, explodem os tambores da Santeria. Culturalmente é muito forte, acho
que metade da população frequenta. Detalhe: eles podem praticar qualquer religião. Existe igrejas católicas, ortodoxas,
batistas e Jeová. Menos os mórmons, por motivos óbvios.
A Embaixada americana é
supervigiada, lotada de policiais e câmeras. Não me deixaram tirar fotos. Ainda
bem!
O resto foi encher a cara de
run que é fantástico. Você bebe o dia inteiro e não tem ressaca. Nunca havia
bebido uma coisa tão gostosa na minha vida. Sempre ao entardecer, comprava
minha garrafa de Havana Club 7 anos e descia para o El Malecon, que é a avenida
beira-mar. Tem 8 km de extensão e todos os cubanos são idolatrados pelo lugar. Famílias
inteiras esperam o sol se esconder nas entranhas do mar. Bebem, cantam, tocam,
riem alto, fumam charutos e até esquecem que Miami fica a 130 km dali. Vivem um
dia de cada vez. Acompanham as ondas que lavam e relavam o paredão. Venta
muito. O amanhã? Eu juro que não sei e muito menos eles.
Sergio Emiliano.
junho/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário