Bastante interessante a entrevista do senador no Portal G-1 e que nós reproduzimos para que possamos ter uma noção mínima sobre os debates realizados sobre tão importante tema.
Para senador e ex-ministro da Educação, escola no Brasil está 'sem moral' e 'professores são tratados como seres sem importância'.
Para
Buarque, para solucionar problema da violência no curto prazo 'só
colocando valium na merenda' (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
Um dos grandes defensores da educação como instrumento de transformação
do Brasil, o senador Cristovam Buarque considera que o problema da
violência na rede pública de ensino do país é gerado principalmente por
causa da desvalorização da escola como instituição.
Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, Cristovam afirma que a escola no
Brasil "está sem moral". "A escola desvalorizada gera violência, e a
violência desmoraliza ainda mais a escola. Os jovens sabem que saindo
com o curso ou sem, de tão ruim que são os cursos, não vai fazer
diferença, porque o curso não agrega muito na vida dele. Os alunos não
veem retorno na escola", explica.
Ministro da Educação do governo Lula entre 2003 e 2004, Cristovam
Buarque chegou a se candidatar à Presidência em 2006 levantando como
principal bandeira a "revolução na educação de base". Ele acredita que
só ela poderia resolver de vez o problema da violência e fazer com que a
escola voltasse a ser respeitada no país.
BBC Brasil - Como o senhor define o problema da violência nas escolas do Brasil? Por que ele acontece?
Cristovam Buarque - A sociedade brasileira é uma
sociedade muito violenta hoje, então as pessoas se sentem no direito de
agir violentamente, às vezes, até não necessariamente com agressão
física, mas com palavras.
As escolas estão rodeadas de traficantes, a violência do meio
influencia. O outro é o fato de que a escola não é uma instituição
valorizada e, ao não ser valorizada, as crianças também entram na mesma
onda da não valorização, se sentem no direito de quebrar os vidros, se
sentem no direito de levar as coisas pra fora.
Aqui mesmo na UnB (Universidade de Brasília), eu vi a enciclopédia
britânica sendo rasgada, porque o aluno em vez de tirar o xérox da folha
que ele precisava, arrancou a página e levou. Os próprios professores
são tratados como seres sem importância, que ganham salários baixos.
Além disso os jovens sabem que saindo com o curso ou sem, de tão ruim
que são os cursos, ele sabe que não agrega muito na vida dele. Os alunos
não veem retorno da escola.
BBC Brasil - Quais as consequências da violência na escola para a educação no país?
Cristovam Buarque - A escola desvalorizada gera
violência, e a violência desmoraliza ainda mais a escola. Os professores
hoje estão fugindo, porque o salário é baixo e há muito desrespeito com
relação à profissão deles. Quando a gente analisa o concurso para
entrar na universidade, o vestibular, os últimos cursos na preferência
dos vestibulandos são pedagogia e licenciatura, isso gera um clima de
desvalorização.
Para entrar em medicina são 50 por vaga, para pedagogia às vezes têm
mais vagas que candidatos. Isso gera desvalorização. E aí as pessoas
ficam quebrando as coisas, são violentas. Cria um ciclo vicioso. A
desvalorização da escola aliada à violência do país induz à violência
dentro da escola.
É preciso ter disciplina na escola, mas para o professor ser agente da
disciplina, ele tem que ter moral. Só que a escola hoje está sem moral.
Uma das coisas básicas da disciplina é o aluno chegar na hora. Como
chegar na hora se nem o professor dele chega na hora? Se o professor
dele ficou dois meses de greve?
O professor se vai um dia, não vai outro. A ausência do professor no
Brasil é tão grande quanto a do aluno. Eles faltam igualmente. Então
está faltando moral na escola.
BBC Brasil - Quais seriam as medidas a curto prazo para conter o problema?
Cristovam Buarque - Eu não vejo como resolver isso no
curto prazo, só se for atribuindo Valium (calmante) para todo aluno, se
colocar Valium na merenda. Brincadeira, mas é que é difícil ver uma
solução a curto prazo. Qual o caminho a médio e longo prazo? Valorizar a
escola, hoje o salário médio do professor na escola é R$ 2 mil, se você
pagar menos do que paga para quem vai ser engenheiro ou médico, os
melhores não vêm, eles não vão querer ser professores.
Você tem que ter um salário compensador, eu calculo R$ 9.500. Só que
para merecer esse salário, tem que ter um processo muito rígido de
seleção do aluno, para ver se a pessoa tem vocação, tem que quebrar a
estabilidade plena de que o professor continue no cargo sem se
aperfeiçoar, tem que ser uma estabilidade sujeita a avaliações.
Para a escola ser respeitada, o prédio tem que ser respeitado. As
pessoas não saem quebrando shopping, porque é um prédio bonito,
confortável. As crianças se sentem desconfortáveis na escola, por isso
que elas são violentas. A verdade é que a escola é mais violenta com o
aluno do que o aluno com ela. Ela obriga o aluno ficar sentado 6, 7
horas numa cadeira desconfortável, num prédio feio e mal cuidado.
Como fazer isso funcionar no Brasil a curto e médio prazo? Ir
implantando isso por cidade. Leva 20 anos no país todo, mas precisa de
um ou dois anos para fazer em uma cidade. E até lá, como faz? É o que
estão fazendo, colocar polícia, bom diretor. A polícia tem que ficar
longe da escola, mas no longo prazo. No curto prazo ela é uma
necessidade, porque ela diminui a violência da sociedade que está na
escola.
Além disso, é preciso identificar os alunos violentos. Um só jovem faz
uma violência que desmoraliza a escola inteira. Então identificando os
jovens que são agentes da violência você resolve o problema, levando ao
psicólogo, tratando esse jovem.
BBC Brasil - O que o senhor acha do modelo de educação nas escolas de hoje?
Cristovam Buarque - Não dá para seduzir uma criança
com métodos seculares como quadro negro, tem que ser computador, vídeo. O
professor tem que ser capaz de cavalgar a tecnologia da informação, de
se comunicar com a criança usando o computador. E finalmente a escola
tem que ser 6h ou 7h por dia. O menino se comporta melhor na escola que
ele fica o dia inteiro porque ela passa a ser um pouco da casa dele, a
escola tem que ser a extensão da casa da criança.
BBC Brasil - Aprovou-se no ano passado a medida de destinar 10%
do PIB pra educação. Esse dinheiro é suficiente? Então qual é o
problema da educação hoje em dia (se não é dinheiro)?
Cristovam Buarque - O problema é dinheiro, mas não é
só dinheiro. Se chover dinheiro no quintal da escola, a primeira chuva
vira lama. Se aumentar muito o salário do professor agora, isso não vai
mudar nada. Precisa de todas ações juntas, a revolução mesmo da
educação. Para pagar os R$ 9 mil (para os professores), para construir
as escolas novas, você precisa de 6,5% do PIB (na educação de base, sem
contar investimentos nas universidades).
Esse negocio de 10% do PIB foi uma farsa. Por que não colocaram 10% da
receita? Porque ao dizer que é do PIB, ninguém sabe de onde vai sair o
dinheiro. O PIB não existe, ele é um conceito abstrato de estatística.
Para fazer a revolução a qual eu me refiro, nós precisamos para a
educação de base R$ 441 bilhões em 20 anos, por isso que eu digo 6,4% do
PIB. Se supõe que pré-sal vai dar R$ 225 bi, ele poderia ser uma fonte
desse dinheiro. Eu peguei 15 fontes de onde a gente poderia conseguir
esse dinheiro e com elas a gente pode chegar a R$ 750 bi. (Quais
fontes?) São várias, não vou citar todas aqui. Mas por exemplo, quem vai
querer um imposto sobre as grandes fortunas, reduzir publicidade do
governo, eliminar subsídio que se dá para educação privada, porque se a
pública vai ser boa, não precisa bancar a privada, ou então voltar a
CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), só que
fazer ela ser toda destinada pra educação, pegar 50% do lucro das
estatais que vão pro governo, usar rentabilidade de reservas?
Tudo isso dá o dinheiro que a gente precisa. Não precisa dos 10% do
PIB. Isso não existe. Eu defendo a federalização das escolas para tornar
o ensino público uma referência no Brasil. Hoje, das 196 mil escolas
públicas que nós temos, pouco mais de 520 são federais e essas são boas.
A seleção do professor é mais cuidadosa, as instalações são melhores o
regime de trabalho é melhor. Temos que levar esse padrão para todas as
outras.
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