Nas últimas semanas, dezenas de famílias perderam tudo o que tinham em
incêndios que atingiram favelas na cidade de São Paulo. O tempo seco, o
acúmulo de lixo e as ligações elétricas clandestinas estão entre as
principais causas dessas tragédias.
Para os moradores de 1.632 favelas da capital, a ameaça de incêndio faz
parte da rotina. Somente neste ano foram registrados 32 casos. A
precariedade das moradias – muitas feitas de madeira e coladas umas nas
outras – e a dificuldade de acesso às vielas pelo Corpo de Bombeiros
fazem com que o fogo se alastre rapidamente.
Em sua maior parte, essas comunidades estão localizadas em áreas
invadidas e a prefeitura e concessionárias de luz e água não podem
prestar serviços. Por isso, moradores improvisam instalações elétricas, o
que provoca curtos-circuitos e acidentes. O lixo acumulado, em razão da
falta de coleta e de famílias que sobrevivem da reciclagem, é outro
fator de risco.
No último incêndio, ocorrido no Morro do Piolho, o tempo seco e os
ventos ajudaram a propagar as chamas, que consumiram rapidamente 300 dos
700 barracos existentes no local. Mais de mil pessoas ficaram
desabrigadas e perderam móveis, roupas e documentos.
O drama dessas famílias, no entanto, não é um caso isolado no país. Se
no inverno os incêndios são o maior perigo, no verão, moradores de áreas
de risco em morros sofrem com as chuvas. Há dois anos, 168 pessoas
morreram em deslizamentos de terra em Niterói, na região metropolitana
do Rio de Janeiro.
Tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto a Constituição
brasileira reconhecem que moradia é um direito fundamental do cidadão.
Mas essa não é a realidade de milhares de brasileiros que moram em
favelas, cortiços e comunidades carentes, sem saneamento básico (água
potável e rede de esgoto), eletricidade e outras melhorias.
Entre os problemas sociais relacionados à falta de moradia estão a
exclusão social, o desemprego e a violência. Na maioria das favelas,
traficantes aproveitam a ausência do Estado para criar facções
criminosas que cooptam e coagem as comunidades. Há ainda conflitos de
natureza social e política envolvendo movimentos como os sem-terra e os
sem-teto.
Déficit
Segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, o déficit habitacional
brasileiro é de 5,8 milhões de famílias, o que representa um índice de
9,3% de famílias que não têm onde morar ou vivem em condições
inadequadas. Os dados foram obtidos com base no PNAD (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios) 2009, feito pelo IBGE.
Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro possuem as maiores carências, com índices, respectivamente, de 19% e 9,3%.
Em outro relatório, divulgado há um ano pelo Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), foi apontado um déficit de 7,9 milhões de
moradias no país, o que corresponde ao total de 14,9% dos domicílios.
Uma pesquisa mais recente, divulgada pela ONU, mostrou que em toda a
América Latina o déficit habitacional subiu de 38 milhões de residências
em 1990 para algo entre 42 milhões e 51 milhões em 2011.
Segundo a ONU, trata-se de um dos maiores desafios dos países da
região. Por outro lado, o índice de pessoas que vivem em condições
precárias caiu de 33% em 1990 para 24% em 2010. No Brasil, o percentual é
de 30%, de acordo com a ONU.
Migração
O déficit habitacional é causado pela falta de políticas públicas e por
transformações sociais, como o êxodo rural e a mudança do perfil das
famílias.
Em toda a América Latina, nas últimas décadas, houve um aumento da
população urbana, provocando um crescimento desordenado nas grandes
cidades. No Brasil, a migração de famílias do campo para as cidades, em
busca de emprego no setor industrial e na construção civil, não foi
acompanhada de uma política de urbanização. Tal fato contribuiu para o
surgimento tanto das comunidades em morros cariocas quanto nas favelas
paulistas.
Na década de 1960, pela primeira vez a população urbana ultrapassou em
números a rural. Nos anos 1990 houve o término do fluxo migratório e,
no começo do século 21, a população urbana já representava 80% do total
da população do país.
Soma-se a isso o envelhecimento da população e as mudanças no perfil
familiar, com maior número de divórcios e solteiros na idade adulta, e
há um aumento considerável na demanda por domicílios nas cidades.
BNH
Foi somente a partir dos anos 1960 que o governo brasileiro passou a
desenvolver programas de planejamento habitacional, com o objetivo de
reduzir o déficit de moradias.
Durante o período da ditadura, de 1964 a 1986, vigorou o BNH (Banco
Nacional de Habitação), que era responsável pela construção de casas
populares no país. O órgão financiou 4,5 milhões de casas para famílias
de classe média, o que representou 24% de todo o mercado habitacional.
No entanto, especialistas apontam que o programa – reconhecido como o
primeiro de abrangência nacional para a área de habitação – falhou em
não atingir um público de baixa renda, sem condições de financiar uma
casa própria, que por sua vez engrossou o contingente de moradores de
favelas, cortiços e loteamentos clandestinos.
A partir de 2003, no governo de
Luiz Inácio Lula da Silva,
a política habitacional foi concentrada no Ministério das Cidades.
Nesse setor, o principal destaque é o programa Minha Casa Minha Vida,
lançado em 2009 com a meta de construir um milhão de moradias para
atender famílias com renda até 10 salários-mínimos. O programa foi
reformulado no governo da presidente
Dilma Rousseff e objetiva construir mais 2 milhões de casas até 2014, 60% desse total voltado para famílias de baixa renda.
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