Ela se chamava Lucinda e era uma das inúmeras netas de dona Jerônima, uma velha senhora, de seus 80 e tantos anos, que morava sozinha em uma casa bem grande em cima do morro que ficava mais ou menos perto da casa de meu tio Natanael. A casa de dona Jerônima abrigara no passado seus 19 filhos, então todos casados e proprietários de suas próprias casas, de modo que, a boa senhora morava sozinha, visto que ficara viúva ainda nova e nunca refizera sua vida afetiva, como era muito comum no passados. Muitas vezes a mulher ficava viúva com seus 20 ou 30 anos e não mais se interessava por homem algum, algumas até vestiam-se de preto pelo resto da vida.
Era o caso de nossa amiga, Dona Jerônima. Ela nunca mais casara, e vivia resignada cuidando de suas terras, de sua casa, de seu jardim. Os filhos, mesmo morando cada um na sua própria casa, vinham visitá-la sempre e a queriam muito bem, mas nunca conseguiram convencê-la a ir morar com eles. Ela resistia e teimava em “morar no que era seu”, como dizia aos que insistiam no assunto. No início tudo bem, ela era nova, bem disposta, cheia de vigor, e naquelas redondezas muito conhecida e respeitada. Mas à medida que o tempo ia passando, a velhice chegando e com ela o tremor das mãos, o enfraquecer da memória e a dificuldade de enxergar, os filhos voltaram a querer adotá-la em suas casas, mas nada fez com que ela aceitasse essa decisão. Então os filhos reuniram-se e resolveram que a cada dia um deles iria passar o dia e dormir com ela. Como eram muitos e moravam todos relativamente perto, não foi dificuldade nenhuma, além do que cada filho tinha grande prole, que poderia auxiliar nessa tarefa. Então aquela senhora nunca mais ficou sozinha, tinha sempre alguém: filho, neto ou sobrinho cuidando dela.
A casa ficava sobre um alto, como já foi dito, e não havia nenhuma outra residência num raio de 500 metros. A casa mais próxima era a de um sobrinho de dona Jerônima, seu Natanael, meu tio, que também gostava muito dela, e estava à disposição para qualquer necessidade, e que ia visitá-la com freqüência.
Pois bem, certo dia, chegou a vez da Lucinda, neta de dona Jerônima ir dormir com ela. Era uma moça jovem, de seus 18 anos, alegre, bem nutrida e trabalhadeira, que gostava muito da avó, e que sempre ficava feliz de poder dar-lhe assistência. Nesse dia, ou melhor, nessa noite, a velhinha recebeu várias visitas, de filhos, de sobrinhos e de amigos, pois estivera adoentada e ainda não estava boa de todo. No interior é muito comum as visitas a doentes; a última visita, foi justamente o seu Natanael, o vizinho mais próximo que, ao sair reforçou que a moça o chamasse, caso precisasse de alguma coisa. Era mais ou menos umas “8 horas da noite” como se dizia por ali. O povo dormia cedo, já que na época deste acontecido não havia chegado por lá nem a luz elétrica, imagine a televisão. Ficava-se pela porta até certa hora, e depois, como não havia mais o que fazer ia-se dormir. Foi o que fez Lucinda logo que seu Natanael desceu o morro, deu um chá à velha, tomou a bênção e deitou em uma rede ao lado da rede da avó.
Não demorou muito e ouviu um barulho estranho na rede ao lado; bem disposta, levantou-se e foi ver se a avó precisava de alguma coisa. Percebeu logo que ela estava morrendo, ela já vira outras pessoas morrerem antes. E não tinha medo. Rapidamente colocou uma vela acesa na mão da velha, rezou um pai – nosso e acompanhou atenta a moribunda dar o seu último suspiro. Não passava das 10 horas... Era cedo ainda, mas com certeza todos já dormiam o sono dos justos. Foi lá fora pensando em chamar alguém, em deixar a defunta sozinha e ir à casa dos pais que ficava um pouco distante, mas aí ela teve medo, - E se aparecesse alguma alma penada?!
Mesmo pra ir à casa de seu Natanael ela teria que enfrentar 500 metros de mato, de escuridão, de solidão. Não, ela não tinha coragem. Pensou melhor e resolveu que não enfrentaria o escuro da noite, era melhor esperar o dia amanhecer e sair para chamar a família. E foi o que fez. Calmamente cobriu a defunta com as varandas da rede, em seguida deitou-se e dormiu até o dia amanhecer.
Teresina, abril de 2012
Ana Maria Cunha
Cadeira nº 12 da ACALE
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